Francisco disse que há diferença moral entre aborto e prevenção de gravidez
RIO E BRASÍLIA — O Papa Francisco indicou que a Igreja Católica poderá
flexibilizar as restrições ao uso de métodos contraceptivos em regiões afetadas
pela epidemia de zika. Pesquisadores estudam a relação entre a incidência do
vírus e o aumento dos casos de bebês com microcefalia, uma má formação do
cérebro que provoca deficiências neurológicas.
— O aborto não é uma questão qualquer, é um crime. Evitar uma gravidez não é um mal absoluto — afirmou o pontífice, em conversa
com jornalistas no avião que os levava do México para a Itália.
Para endossar a posição, o Papa lembrou o Papa Paulo VI, que abriu exceção
para o uso de contraceptivos para freiras que viviam em regiões da África com
muitos casos de estupro.
A condenação de métodos como preservativos e a as pílulas anticoncepcionais
foi exposta pela Igreja em 1968, em uma encíclica assinada pelo mesmo Papa Paulo
VI. “É ainda de recear que o homem, habituando-se ao uso das práticas
anticoncepcionais, acabe por perder o respeito pela mulher e, sem se preocupar
mais com o equilíbrio físico e psicológico dela, chegue a considerá-la como
simples instrumento de prazer egoísta e não mais como a sua companheira,
respeitada e amada”, diz um dos trechos do documento. “Considerem, antes de
mais, o caminho amplo e fácil que tais métodos abririam à infidelidade conjugal
e à degradação da moralidade”, escreveu o Papa.
A encíclica também manifesta a posição da Igreja contra o aborto, ponto que
foi reiterado pelo Papa Francisco:
— O aborto não é um problema teológico. Matar uma pessoa para salvar outra é
uma maldade humana, não um mal religioso. É matar uma pessoa para salvar outra.
É o que a máfia faz.
O Papa pediu ainda que as pesquisas sobre a vacina capaz de impedir o
contágio do vírus zika avancem rapidamente.
— Peço aos médicos que façam de tudo para descobrir as vacinas contra esses
mosquitos. Que se trabalhe para isso — reforçou.
O risco de microcefalia reacendeu o debate sobre aborto na América Latina e Caribe. No início de fevereiro, a ONU pediu que países afetados pela epidemia garantam o acesso a contraceptivos e ao aborto.
"As leis e as políticas que restringem acesso a esses serviços devem
ser urgentemente revistas em consonância com os direitos humanos, a fim
de garantir na prática o direito à saúde para todos”, declarou a
organização.
MOVIMENTO SUTIL
As frases do Para tiveram repercussão. Para o frei Luiz Carlos Susin, doutor
em teologia e professor da PUC-RS, o posicionamento vai provocar críticas de
segmentos mais conservadores da Igreja Católica. Ele, no entanto, aprova a
sinalização do Papa.
— Nesse caso, em que se está dando atenção a questões mais relevantes, está
certo. É mais importante ter cuidados do que ficar fazendo distinção entre
métodos (contraceptivos) naturais e artificiais — afirmou.
O teólogo acredita que os pontos citados pela encíclica foram tratados de
forma muito rigorosa desde a publicação, nos anos 1960, e a declaração do Papa
Francisco pode representar o início de uma mudança de rumo.
— A afirmação não é um marco, no sentido de que o ensinamento era de um jeito
e agora vai ser diferente. É uma linha sutil de mudança. Eu, pessoalmente, acho
que poderia ser mais franco, dizer que de fato precisa mudar. Mas nenhum Papa
anterior falou em qualquer hipótese de aplicar método contraceptivo — destacou
Susin.
A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) informou que o porta-voz
da entidade está viajando e não poderia se manifestar. Em comunicado divulgado
no início do mês, a CNBB criticou a defesa do aborto para os casos
diagnosticados de microcefalia. Já a Organização das Nações Unidas (ONU) pediu
aos países atingidos pelo vírus que permitam o aborto e facilitem o acesso de
mulheres a métodos contraceptivos.
A organização não governamental (ONG) Católicas pelo Direito de Decidir, que
milita pela descriminalização do aborto, lançou um manifesto em defesa do
direito da mulher interromper a gestação se for contaminada pelo vírus zika.
Como o diagnóstico da microcefalia só ocorre por volta do 7º mês, quando o
procedimento se torna inviável, a ONG defende que as grávidas diagnosticadas com
zika possam fazer o aborto.
O movimento se uniu ao grupo de especialistas que planeja apresentar uma ação
no STF para que, entre outros serviços, o Estado garanta o acesso ao aborto no
caso de zika. O pedido que será levado à Corte terá foco também no difícil
acesso a políticas de planejamento familiar e na necessidade de melhoria dos
serviços voltados para a saúde feminina.
Para Rosângela Talib, uma das coordenadoras da ONG, as mulheres não podem
“pagar a conta” do descaso do Estado:
— Elas terão de arcar com o ônus da falta de saneamento, de coleta de lixo,
de exames, de remédios? É uma questão de saúde mental, psicológica. Defendemos
também a obrigação do Estado de dar toda a assistência às mulheres que quiserem
levar a gravidez adiante. (Com agências internacionais)
NOTIFICAÇÃO OBRIGATÓRIA
A partir desta quinta-feira, o zika entrou na lista de doenças de notificação compulsória no Brasil.
Diante do avanço de enfermidades graves relacionadas ao vírus, como
microcefalia e Guillain-Barré, profissionais de saúde das esferas
públicas e privada são obrigados a informar casos suspeitos e
confirmados de infecção por zika. A determinação foi publicada no Diário
Oficial da União.
Também nesta quinta-feira, o Banco Mundial divulgou que vai liberar US$ 150 milhões
(cerca de R$ 600 milhões) para auxiliar o combate ao vírus na América
Latina e no Caribe. Os valores estão disponíveis para todos os países da
região que sofrem com a epidemia e podem cobrir, por exemplo, o envio
de equipes de especialistas aos países afetados. O banco deixou aberta a
possibilidade de aplicar mais recursos para o combate à doença.
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